terça-feira, 4 de agosto de 2009

Até amanha!

Hoje, voltei a visitar-te! Às vezes pergunto-me para quê, mas acabo sempre por achar uma pergunta estúpida- afinal, estás sempre igual. Olho-te e vejo esses olhos verdes , que lamento não ter herdado, e aproximo-me de ti, beijando te a testa, e inspirando fundo, com o intuito de ainda sentir o teu perfume (o odor a hospital sempre prevaleceu, mas amanha, tentarei novamente).

Apesar de te encontrares em pré-coma , sei que me ouves, e me sentes. Falo contigo sempre que posso e toco-te para que nunca sintas falta do toque a que sempre te habituei. Pergunto-te se estas triste, e choras. Derramas essas lágrimas salgadas que me angustiam. As vezes preferia que o destino feio desta vida te levasse, para que deixasses de sentir essa dor, que acredito que sentes, e que tu tanto demonstras .Preferia que me visses partir, pois significaria, que não iria viver na tua ausência. Doava-te a minha vida, em troca desta dor que me deixaste.Lágrima salgadas e avermelhadas, com sabor a morte, e cheiro a cinzas. Queria que ficasses do meu lado, para vivenciar a tua velhice, e poder adormecer-te enquanto fazia caracóis nesses cabelos brancos, que tanto admirava. Facilmente adormecias, e facilmente eu sorria (só com a feição de felicidade com que adormecias).

Sempre foste forte, e eram poucas as coisas que te punham abaixo. Teria de vir isto. Era necessário que ocorresse uma proliferação de células a que tomos designamos por- “ a merda do cancro”, para que perdesses as forças, e caísses no antro dessa dor, feia e dolorosa que leva consigo, pessoas belas, feias, fortes e fracas, familiares e amigos. Fazes-me falta e ainda não partiste.

Parte por favor! Deixa-me só neste quarto. Prefiro que partas, e que no próximo toque estejas fria, prestes a congelar-me, sentindo uma mão fria, e rígida, em posto a essa macia com que me presenteias . Quero ver-te esbranquiçar com o tom… “Estou a ir amor! Sinto-me tão livre que quase sinto asas”.

Deixa-me mãe! Deixa-me só !

Não me deixaste. Amanha regressarei! Até lá, vou para o ninho- longe deste mundo frio que teimam em designar “hospital” e levarei comigo esta dor entranhada no meu sangue, que sempre que posso tento fintar, a fim de ambas, seguirmos caminhos opostos.


Corro! Parei. Merda! Estás de novo aqui.

1 comentário:

  1. Dizem que a esperança é a última coisa a morrer - é enterrada connosco. Até à última gota de sangue, até ao último respirar, até ao último bater do coração há sempre algo que nos faz acreditar que tudo vai mudar. Porque é que queremos isso com tanta força? Porque temos um medo enorme de morrer. Que nos faz, tantas vezes, ter também medo de viver.
    E, de repente, aparecem assim estas doenças silenciosas demais e, só aí, as pessoas se questionam acerca da sua existência, se revoltam e chegam a preferir até desistir. O cancro não mata só quem o tem, mata todos aqueles que amam quem o tem. Por vezes, a dor é tão grande que as pessoas só pedem que tudo acabe, o sofrimento torna-se insuportável - esta filha trazia-os nos olhos verdes que não herdou da mãe.

    O teu texto também me trouxe à memória todas as vezes que ouvia alguém dizer: "Para estar assim, mais vale Deus Nosso Senhor o levar." Primeiro não percebo a parte onde entra Deus, e se ele existe, porque obriga aquela pessoa e os que a rodeiam a um sofrimento tão grande? Nascemos para ser sacrificados? Mas isto são questões religiosas e eu não gosto de me meter, não vá vir o Deus Nosso Senhor das beatas e mandar-me um estaladão. Depois, até que ponto serão sinceras as pessoas que dizem isso? Por um lado, se tudo terminasse nesta vida, a dor acabava. Por outro, enquanto há um coração que bate, há uma morte que espera. Há Esperança.

    E, porque nem tudo na televisão é mau, recordo-me de uns tempos em que passavam curtas na rtp2 sobre histórias reais de pessoas que venceram o cancro. Casos felizes que mostram que nem sempre esse bicho feio ganha.

    Um beijo, e mais uma dose de esperança :)

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