quinta-feira, 18 de junho de 2009

A mais bela idade

Estava no comboio , quando me deparei com uma situação caricata. Uma pequena criança que rondava os 7 anos de idade, viu-se na obrigação de abandonar a mãe, e juntar-se a uma senhora, que pelo aspecto , diria… bem velhinha. Pensei… que estranho!Que interesse teria sentido aquela menina, para trocar a mãe, por uma pessoa que não conhecia, e ainda apresentava dezenas de anos a mais do que ela. Rapidamente percebi.
Sentou-se e sem dizer uma única palavra, cumprimentou-a com gestos e carícias. Sem ninguém estar a espera, a pequena criança dedicava-se a passar o seu tempo de viagem, entretida a contar as pequenas, grandes rugas da senhora. O seu primeiro gesto foi tocar naquele pescoço papudo e rugoso ( a senhoria riu-se, tal como eu). Eu ri-me e tudo isso , porque recordei os meus tempos de criança , e como fazia o mesmo que esta jovem. O facto de algo ser diferente a nós mesmos, ou aos nosso próximos, intriga-nos e faz-nos querer descobrir mais e mais. Hoje perante uma situação destas, não agiria assim. No entanto a idade fantástica daquela menina, tornava-a um ser espontâneo e capaz de agir sem medos e vergonhas.
Pouco depois , tocava naquelas mãos rugosas e ásperas da senhora, dizendo “as minhas mãos não são assim!” Infelizmente não consegui ouvir a resposta, até porque até já a sua própria voz estaria velha e cansada. Imagino no entanto uma resposta do género “já vivi muito, e tu ainda tens a tua vida toda pela frente”. Aquelas rugas expeliam todos os seus medos, preocupações e vivencias. Talvez teria tido uma vida complicada e todas aquelas “imperfeições” demonstrariam o dia a dia daquela senhora. É impressionante como com um simples olhar, vimos tanto. Aquela alma parecia-me meiga, e apresentava um olhar meigo. Um olhar triste! Um olhar embebido em uma ou duas lágrimas, que provenientes de tristezas ou felicidades, me fez arrepiar. A minha pele ficou fria. O meu olhar parou… Deixei de pestanejar, e por momentos, vivi intensamente aquele olhar (velhinho, mas terno). As minhas mãos suavam e acredito que se aquela paragem fosse o meu destino, eu teria ido para bem mais longe. Queria ficar ali… ali , com aquela senhora.
Por instantes parecíamos já duas crianças em torno de algo muito valioso, que teríamos de rondar e proteger, para não perdermos. As minhas pernas tremiam, não conseguindo apresentar uma posição constante. Estava ansiosa e preocupada. Aquele olhar triste e valioso tornou-me incapaz de reagir e talvez isso fosse um sinal de como deveria fazer algo.
Agora sinto-me culpada por não me ter juntado aquelas duas pessoas, que apesar de idades tão opostas, me pareciam conhecer-se há imenso tempo. Como gostaria de ter tocado naquelas mãos e perguntado o porquê daquele olhar. A solidão em que me parecia viver, preocupava-me. Quem lhe iria dizer “Bom dia!”… quem iria acompanha-la nas varias refeições do dia? Quem iria cobri-la durante a noite, quando em pequenos momentos se descobrisse? Talvez o marido… talvez os filhos… talvez ninguém!
A pergunta a tudo isto acabou por não sair da minha boca, e tudo isto porque já não sou espontânea como aquela jovem. Deixei-me guiar pelos meus medos e vergonhas , e agora, sozinha neste café, escrevo, e penso… O meu medo agora é outro! Será que estaria tudo bem com aquela jovem de rugas e olhar triste? Isto fez-me pensar… Podemos ajudar tanto e na maioria das vezes nem uma palavra de conforto é capaz de fluir. Culpo-me!

Querem saber um segredo? Adoraria ter-me sentado no colo daquela senhora e dar-lhe um beijinho e dizer-lhe “Boa viagem”
O meu maior desejo, é que em dias de chuva e tempestade, e quando o medo for maior que a própria cama onde se deita, o meu número lhe passe em rodapé nos seus sonhos, para que possamos falar, até adormecer. (uma lágrima acabou de escorrer sobre o meu rosto, caindo sobre a folha onde escrevo este texto. Vou guardá-lo , para nunca mais me esquecer de si.

O seu nome será Maria!

1 comentário:

  1. O envelhecimento pode ser encarado de duas formas: Como a nossa degradação enquanto pessoas, ou como um caminho que percorremos em que o corpo se transforma e o cérebro e o coração permanecem como jovens mas mais experientes.
    A primeira opção está fora de questão, é errada.
    Acredito que se levarmos a vida a sorrir, quanto mais velhos formos, maior será a paz que sentimos connosco mesmos. Vamo-nos tranquilizando a nós próprios e olhando para trás no tempo com a sensação de que já fizemos algo importante, já marcámos alguém, já deixámos o nosso legado. Basta um conjunto de simples gestos ao longo da vida para que a nossa passagem por este mundo não seja em vão e é isso que tem que nos dar alento para continuar sem medo do fim.
    Haverá uma altura em que a grande maioria terá filhos e depois netos. Sem essa experiência, baseio-me no que ouço: É o momento em que passa a existir alguém com quem nos preocupamos mais do que connosco. Pessoas a quem dedicamos tudo e por quem fazemos tudo.
    Uma família pode ser um dos pontos mais importantes para uma vida completa, mas não basta. Penso que um dos maiores erros que podemos fazer é o corte quase insconsciente de relações com o resto da sociedade. Os amigos são um elo de ligação importantíssimo para alguém que está a envelhecer. Com o tempo os filhos partem, porventura a nossa cara metade já não está connosco e vemo-nos sós. A solidão será o pior pesadelo para as muitas "Marias" com que nos cruzamos diariamente. Precisamos de alguém como nós, com quem partilhar as nossas memórias, preocupações ou alegrias.

    Podia continuar a reflectir sobre o assunto... acho que daria para muito mais, mas creio também que todos acabamos por pensar o mesmo num ou outro momento.

    Deixo só mais um pensamento que me ocorreu: Imagino como seria bom ter 25 e a experiência de uma vida de 65. Por outro lado, se calhar perdia a piada.

    ResponderEliminar