domingo, 28 de junho de 2009

Quanto levas?

Eram 19 horas e já me preparava. Vesti a roupa habitual (se é que se pode designar como “roupa”). Saia de 15 centímetros, e aquele top vermelho, bastante decotado. Como era obvio não podiam faltar aquelas meias de rede pretas, que tanto fascinava os homens ( quando falo em homens, não me refiro a um só homem, mas sim , a clientes habituais).Olhos bem negros, maquilhados em três tempos , e lábios encarnados, e delineados a um vermelho mais escuro. Era este o meu estilo( comentado por umas e adorado por outros).

Sai de casa perto das 20 horas, caminhando apressadamente em direcção ao meu posto de trabalho (qualquer beco, rua, estrada, ou avenida, propicia à passagem de homens). Sozinha, acompanhada do barulho das minhas botas de 18 centimetros, dirigi-me ao local da troca. Sim troca! A minha profissão era essa…Trocar prazer por uma boa quantidade de dinheiro.

Não pensem que me orgulho da profissão que levo, mas uma coisa é certa, Pão e dinheiro para as minhas necessidades, nunca me faltou.

Hoje o dia (noite) está calmo. Por enquanto ainda só tive dois clientes, que satisfeitos ou não pelo trabalho, pagaram-me, e não foi pouco. Já há muito tempo que não tinha uma “troca” tão bem feita- tinha compensado todo o esforço.

Já me sinto cansada, e a noite está fria! Como gostava de poder voltar para casa e sentir o cheiro acolhedor do único sitio onde me sinto segura (o meu único lar). Bebia um leite quentinho, e ia para a cama.

Enquanto sonhava com algo impossível ( sossego do lar),acabou de chegar um novo cliente. Este, Não era Habitual, e nunca o tinha visto por estas “bandas”. Quem sabe se não era um cliente assíduo das minhas colegas.Fui ver… parou, abriu o vidro, e sem dizer dizer “Boa noite”, disse:

Ele: quanto levas?

Palavras fortes e pouco sensíveis, aquela hora da noite.

Eu: depende… mas isso pode ser visto depois.

Ele: Entra!

Durante todo o caminho não me dirigiu uma única palavra. A verdade é que a minha vontade de o fazer também era mínima. Chegamos! Uma casa perdida no meio do nada, rodeada de Arvores, arvores e ainda algumas arvores. Entramos, e apesar de não ser uma casa com mau aspecto, não tinha um ar muito acolhedor. Despiu-me se e deitou-me na cama(foi mais um empurrar do que um próprio “deitar”) – ainda assim não estava assustada (já estava nesta” vida” há uns anos, e já tinha visto de tudo). Durante aquele tempo não falou.Agiu!Apenas agiu! Usou-me como um objecto e quando se fartou, e a troca já tinha sido “quase feita” (ainda não tinha recebido), parou! Foi a primeira vez que me tinha sentido uma “Puta”. Nem as palavras mais obscenas e cobardes, ouvi! Não estava habituada a um comportamento deste género.

Largou-me, e deitada naquela cama imunda , com uma lágrima no canto do olho, ouvi “vou ao carro, buscar o dinheiro”. Esperei, esperei e esperei.

A sua chegada nunca mais acontecia. E sim! Aconteceu mesmo isso! Deixou-me naquela casa,sozinhas… Eu e ela… a minha lágrima.

Agora , o que me resta é ir para o local de trabalho (aquela estrada), e fazer uma nova troca, para ter boleia e dinheiro suficiente para chegar a casa.


Vida de merda, acompanhado de nadas. Cheguei a casa, e bebi aquele leite! Não me soube ao mesmo. Tinha um sabor a medos, com “raspas” de nojo. Deitei-me com esperança de que assim que acordasse, tivesse coragem suficiente para deixar esta vida! Vida de merda, e de banhos constantes , sendo a única forma de poder limpar esta pele suja e tocada por tantos.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  2. "A verdade é que essa é uma forma fácil de ganhar dinheiro."
    Vende-se o corpo e não sei se também não se chega a vender a alma ao diabo. Como em tudo, também este é um caso em que existe uma diferença: aquelas que já são efectivas no seu posto de trabalho, e que por vezes, mesmo não havendo necessidade, fazem-no para ter uma vida com alguns excessos; outras vêm nisto uma solução directa para alimentar a família. Mas, não me digam que é dinheiro fácil. Para algumas, acredito que sim... que seja essa mera troca, sem mais nada. Para outras é a maior perda de respeito que podem ter consigo mesmas. Chegam a casa e não se olham ao espelho, não querendo imaginar sequer aquele corpo ser vendido por dinheiro. Falta a dignidade, falta o amor próprio, falta tudo a uma puta que não o é.
    Acredito que seja das piores sensações, essa de sentir o corpo sujo demais, uma sujidade que nem cem banhos limpa. Um sujo na alma. Uma energia que flui, que adormece a carne aquando da venda, mas que a obriga sempre a seguir o mesmo caminho na noite seguinte.

    E imagino que alguns dos clientes, quando a "mulher da vida" (ainda gostava de entender esta expressão, afinal não deveriamos ser todos homens e mulheres da vida?) diz quanto leva e o que faz, eles pensem "Quanto queres para simplesmente gostares de mim?". E, talvez no fundo houvesse uma resposta, Se me amares, é de(s)graça.

    ResponderEliminar
  3. Aproveito para felicitar a 's ara' pelos comentários que tenho lido por aqui, incluindo este, que vai na linha do que eu ia dizer.

    Frequentemente, passamos por estas pessoas desprezando-as, sem pensar que na grande maioria das vezes elas são as últimas a querer estar ali. Ninguém envereda por este caminho por amor ao que faz, mas sim por necessidade. É certo que em alguns casos poderá entrar o factor facilidade e passado algum tempo a habituação, mas poucas serão aquelas que não agarrariam a primeira oportunidade de mudar de vida, se o pudessem fazer sem complicações.

    O período que atravessamos é também propício ao aparecimento da chamada prostituição esporádica, mulheres (e homens, que também os há) cujo ordenado não estica mais ou que se viram sem emprego e que têm uma família para alimentar. Pessoas essas que nunca pensaram em fazê-lo e que até terão criticado quem o fazia, mas que se vêm sem outra saída, desejando que o aperto da crise acabe para que possam voltar a ter uma vida dita "normal".

    ResponderEliminar